PAINE
ENTRE VIAGENS
Estabeleço um itinerário que me permite chegar, cada noite, a um novo refúgio e dormir numa tarimba. O meu objetivo mantém-se o mesmo desde que cheguei à Patagónia: conseguir avistar as montanhas em fogo ao nascer do sol, esse fenómeno óptico que ando a perseguir em vão há várias semanas. Apanho condições perfeitas de tempo e luminosidade. Surpreendo-me com panoramas de infinita beleza em cada nova curva do caminho. Um assombro inaudito. Durmo no refúgio “El Chileno”. Estamos no fundo de um vale, terei uma hora de caminho para chegar a um dos miradouros onde é possível ver a montanha iluminada. Saio às cinco da manhã, de noite. A Lua tem luz suficiente para guiar o caminho. Apago a lanterna. Penso na vida. Nada parece ser mais importante para mim que chegar ao miradouro antes do nascer do Sol. Por quanto tempo continuarei a viver assim, em função destes momentos tão fugazes e tão inconsequentes como uma madrugada sobre os Andes? Vale a pena viver por isto?
Mas tenho uma pergunta mais importante para responder. E se não chegar a tempo lá acima? Se os meus passos demorarem mais do que a hora de caminho necessária? Chego ao miradouro poucos segundos antes do primeiro raio de sol deste novo dia trespassar três torres imensas e solitárias saídas da noite andina. Em poucos minutos a montanha enche-se da cor vermelha de um tição em brasa. A parede incendeia-se. Uma labareda de granito ilumina a madrugada. Aqueço a alma de felicidade nesta chama reflexa da fogueira galáctica. Em poucos minutos acaba tudo. O fogo extingue-se, o dia nasce, a vida continua. Regresso ao refúgio. Desço para o vale. Respondo finalmente à minha outra pergunta da subida para o miradouro. Se vale a pena? Claro que vale a pena.