Entre Viagens
Ushuaia
Desembarco na “Ilha Grande” do arquipélago da Terra do Fogo, ilha descomunal dividida em duas metades, chilena e argentina. Olhando no mapa, a dimensão desta ilha é uma aberração, num arquipélago estilhaçado onde centenas ou milhares de ilhéus, ilhotas, atóis, rochedos traçam o fim da Patagónia e arrastam os Andes para o fundo do mar. A formidável cordilheira acaba assim: pulverizada.
Sigo no autocarro para Ushuaia, a cidade onde todas as estradas acabam. É fácil compreender o fascínio deste bastião desolado mais a sul que qualquer outra coisa. Se olharmos para o mapa, é ali. Toda a geografia do continente se precipita para aquele beco sem saída. Em termos de latitude, estamos tão longe do Pólo Sul quanto Manchester ou Hamburgo estão do Pólo Norte — nada que na Europa transmita a sensação de ter tocado o limite, de não poder seguir em frente. Mas a verdade é que nenhum outro lugar no mundo transmite a sensação do vazio planetário como Ushuaia. Não existe um ponto definido do planisfério que assinale o extremo norte da Sibéria ou do Alasca. Ushuaia é o extremo sul de tudo, o funil entupido, o gargalo com rolha, o dedo no ponto no mapa.
Ushuaia por isso representa um momento feliz na minha existência: nunca me foi tão fácil tomar uma decisão, nunca tive tanta certeza do que queria, como agora. Quero voltar para trás. Quero regressar sobre os meus passos, ao encontro de tudo o que me interessa na vida, para longe desta sensação de vazio planetário e de fim da estrada. Para longe de Ushuaia.