UYUNI
Inscrevi-me num tour de alguns dias na desolação do Salar de Uyuni. “Tour” era um eufemismo: a agência local ia agregando mochileiros em grupos de quatro; enfiava-os em jeeps em mau estado; e enviava-os num circuito onde serviço, conforto e informação no terreno eram deploráveis ─ mas a paisagem fazia esquecer tudo isso.
A quase 4000 metros de altitude este planalto absolutamente seco, branco, reverberante, alucinado é uma das paisagens mais anómalas do mundo: furnas activas no meio do gelo, lagoas radioactivas de cobalto, desertos de sal, flamingos imóveis no frio austral, alpacas a pastar no sopé de vulcões perfeitos.
Talvez pelo espírito surreal do lugar tive alguns dos encontros mais bizarros da minha vida. Um deles foi com o señor Quesada, motorista, guia quase mudo, e cozinheiro falhado do tour. Não fiquei a saber quase nada nem dele nem do Salar, mas vi-o adormecer ao volante, depois do almoço, durante vinte minutos, enquanto o jeep continuava a seguir em linha recta pela superfície lisa do Salar. Outro encontro absurdo foi com três cicloturistas holandeses que pedalavam desde o nada em direção ao nada, felizes pela existência de um lugar tão plano como a Holanda mas a 4000 metros de altitude. Também o encontro ocasional e sem troca de palavras com um mineiro sozinho ao ar livre no meio de um vazio absoluto a escavar sal da terra, que ia acumulando em montinhos triangulares de uma perfeição comovente.
O cúmulo dos encontros surpreendentes, no entanto, deu-se uma noite em que saí do hostal para fazer xixi, evitando o w.c. comunal irrespirável. Descortinei na distância um monte de pedras, achei que era o lugar ideal para fazer de urinol. Na realidade era um pequeno nicho onde séculos antes tinha sido depositado um cadáver. Há vários, na região. O arrepio enquanto urinava foi duplo: pelo frio brutal dos 4.000 metros e pela imagem surreal de uma múmia com centenas de anos a olhar para mim enquanto eu fazia xixi para cima dela.